2010/10/23

Tecnologia Social e Saúde no Brasil


Foto: Herbário Santuário dos Pajes - Brasília DF

Diversidade nas práticas e geração de conhecimentos marcam experiências de tecnologias em saúde


Márcia Tait e Ednalva Felix


O campo de experiências em saúde autodenominadas ou identificadas como tecnologias sociais no Brasil envolve uma ampla diversidade. Quando abordamos a temática saúde estamos tratando não apenas de acesso a tecnologias e medicamentos, portando do desenvolvimento de produtos adequados e sua difusão, mas do “cuidado com o ser humano”, prevenção, educação, novas concepções sobre a própria saúde-doença.


Encontramos desde “tecnologias-produto”como aquelas voltadas a promover habilidades funcionais de pessoas com deficiência (tecnologias assistivas) e produção de medicamentos, até metodologias, iniciativas de educação para saúde (atividades preventivas), novos modelos de gestão de unidades de atendimento a saúde, abordagens alternativas e novos enfoquespara tratamento de distúrbios psíquicosrelação saúde-doença de modo geral.


Além dessa ampla variedade de “tipos” de tecnologias, o tema saúde também perpassa diversas outras experiência e propostas que envolvem tecnologia/inclusão, como por exemplo,
aquelas voltadas a saneamento básico, questões ambientais e segurança alimentar. As pesquisas no Banco de Tecnologias Sociais, a observação de políticas do Ministério da Saúde e busca por entidades de pesquisa e organizações da sociedade civil que se dedicam a produção de tecnologias vinculadas a saúde - que possam ser relacionadas ao escopo da tecnologia social – têm reforçado essa percepção da heterogeneidade do campo TS-Saúde.


Estado e Saúde no Brasil

O Estado brasileiro possui um conjunto de características diferenciadas no que diz respeito à abordagem do tema saúde e sua universalização. É ainda o grande promovedor e articulador das ações de saúde, formador de recursos humanos e o maior comprador de fármacos. Algumas políticas públicas e programas são referencias internacionais, como as políticas voltadas a prevenção e combate asDoenças Sexualmente Transmissíveis (DST-AIDS) e a produção de medicamentos genéricos e similares.


Em 1990, no bojo da “Constituição Cidadã” de 1988, foi regulamenta a Lei Orgânica da Saúde, que instituiu oSistema Único de Saúde - SUS. Iniciava-se então uma reforma sanitária definida a partir dos seguintes princípios: (1) universalidade de cobertura, ou seja, atendimento integral gratuito, e equidade; (2) descentralização dos serviços para os estados e municípios; (3) unidade e hierarquização entre as ações de saúde da União; (4) participação complementar do setor privado na oferta de serviços; (5) prioridade para as atividades preventivas; e (6) controle social através dos Conselhos de Saúde e participação da comunidade. A responsabilidade pela administração do SUS foi atribuída ao Ministério da Saúde, mas as secretarias de saúde a nível estadual e municipal, e os centros de pesquisa sobre saúde também são parte integrante do sistema. O sistema de financiamento não foi definido, embora ficasse clara a responsabilidade dos três níveis de Estado, com ênfase na União.



Movimento de Saúde Coletiva

Muitos dos direitos previstos pela Lei Orgânica da Saúde tiveram origem na década de 70, quando emerge o campo de conhecimento/movimento da Saúde Coletiva no Brasil. Esse movimento é caracterizado pelo desenvolvimento de teorias e práticas que abordam a saúde como fenômeno social e de interesse público. As suas origens remontam ao trabalho teórico e político empreendido pelos docentes e pesquisadores de departamentos de instituições universitárias e de escolas de saúde pública da América Latina e do Brasil e suas críticas aos sucessivos movimentos de reforma em saúde, originários da Europa e dos Estados Unidos. As proposições desse movimento incluem uma modificação na concepção de saúde e seu entendimento como direito de cidadania e dever do Estado.


Do ponto de vista do conhecimento, a saúde coletiva se articula em um tripé interdisciplinar composto pela epidemiologia, administração e planejamento em saúde e ciências sociais, com um enfoque transdisciplinar, que envolve disciplinas auxiliares como a demografia, estatística, ecologia, geografia, antropologia, economia, sociologia, história e ciências políticas, entre outras.
Enquanto prática, a saúde coletiva propõe um novo modo de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a promoção da saúde, a prevenção de riscos e agravos, a reorientação da assistência a doentes, e a melhoria da qualidade de vida; privilegiando mudanças nos modos de vida e nas relações entre os sujeitos sociais envolvidos no cuidado à saúde da população.


Ao longo da década de 90 e como resultado das próprias pressões e determinações legais citadas anteriormente, a atuação do Ministério da Saúde se amplia. Durante as duas últimas décadas, sem negligenciar as inúmeras e graves deficiências do atendimento público a saúde no Brasil (muitas acabam se tornado alvo de iniciativas da sociedade civil definidas como tecnologias sociais) – o país teve avanços importantes. Por exemplo, uma redução na mortalidade infantil, ainda que mantendo as desigualdades regionais, foi significativa nos últimos 20 anos. Segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2008, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a de taxa mortalidade entre crianças de até 1 ano de idade que era de 46,9 mortes para cada mil em 1990, em 2006, caiu para 24,9. No mesmo período, a redução de mortalidade entre crianças até 5 anos de idade foi de cerca de 50%.


Alguns resultados da pesquisa empírica e análises preliminares

Na pesquisa sobre as experiências concretas autodenominadas e/ou identificadas como tecnologias sociais em saúde encontramos um predomínio do desenvolvimento de “metodologias”, entendidas aqui como propostas de gestão, aprendizado ou reorganização voltadas a tratamentos, capacitação de profissionais, educação para saúde, reinserção social, etc.

Também foi possível observaruma ênfase na produção de tecnologias de tipo assistiva. Esse tipo de tecnologia é concebido e produzido geralmente dentro de universidades e instituições públicas. As tecnologias assistivaspossuem uma “destinação social”, mas ainda é fraco o envolvimento de comunidades locais ou indivíduos implicados no processo de desenvolvimento tecnológico.

A produção de medicamentos similares e genéricos por laboratórios públicos, como Farmanguinhos, e fábricas públicas de genéricos voltadas ao atendimento de demandas do SUS é um ponto relevante da política de saúde brasileira. Esse tipo de produçãomesmo não podendo ser denominada propriamente como tecnologia social, não deixa de constituir um conjunto de políticas relevantes que permitem a produção e difusão de fármacos para população de baixa renda.

Fitoterápicos são destaque

A produção de medicamentos fitoterápicos - medicamento manufaturado obtido exclusivamente de matérias-primas ativas vegetais, em grande parte, com tradição de uso por determinadas populações - não é uma política pública consolidada ou representa uma geração de trabalho e renda significativa em termos nacionais. Porém nos últimos dez anos é possível observar um aumento das linhas de pesquisa em universidades sobre fitoterápicos e, mais recentemente, de politicas governamentais voltadas ao incentivo da produção. Em 2006 foi sancionada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e criado o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos sob coordenação do Ministério da Saúde.


Os casos mais interessantes de tecnologias sociais em saúde no Brasil parecem estar inseridos nesse campo de experiências de produção de fitoterápico por apontarem para o envolvimento de comunidades locais, pesquisadores, setores governamentais e para existência de uma preocupação com formação de cadeias geradoras de trabalho e renda.
Na próxima postagem apresentaremos um pouco de uma dessas experiências:o projeto “Plantas Medicinais como Inclusão Social” coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no norte do país.

1 comentario:

  1. Muito bom o assunto...a explicação decorrida ficou excelente!!

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